Entre as diversas questões debatidas pelos constituintes até a promulgação do texto final, em outubro de 1989, estavam o meio ambiente e a política agrícola e fundiária como temas que se relacionam com os recursos naturais do Ceará e com o equilíbrio desejado entre as formas de preservação e desenvolvimento.
Assunto cada vez mais atual e urgente na sociedade global, o meio ambiente ocupou espaço de novidade no processo de elaboração da lei máxima do Estado há 30 anos.
O deputado constituinte e atual presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB Ceará, João Alfredo Teles, ressalta a importância de ter a temática do meio ambiente na Constituição Federal de 88 e na Constituição Estadual de 89. Ele aponta que, entre todas as Cartas Magnas que o Brasil teve na sua história, nunca havia existido um capítulo especial sobre meio ambiente como direito. Até 1988.
“Nossa Constituição Estadual manteve a mesma visão do direito ambiental como direito de terceira geração, que está muito ligado à participação popular, como necessidade da preservação do nosso patrimônio ambiental, como garantia de que a população tem que ter instrumentos para essa defesa, e avançamos em alguns aspectos”, avalia.
Entre os avanços, destacam-se os mecanismos de controle e participação popular, a criação do Conselho Estadual do Meio Ambiente, com uma atuação deliberativa ‒ e não apenas consultiva ‒, assim como a necessidade de aprovação de projetos de grande impacto ambiental por esse conselho, exemplifica João Alfredo.
“A lei não resolve tudo, mas é um instrumento poderoso. Então acho que a gente deixou marcado naquele momento um bom instrumento da defesa da democracia e dos direitos”, comenta.
O primeiro artigo do capítulo VIII da Constituição de 89, aquele destinado ao meio ambiente, aponta a importância do tema para a população e para a prioridade do Estado.
Art. 259. O meio ambiente equilibrado
e uma sadia qualidade de vida
são direitos inalienáveis do povo,
impondo-se ao Estado e à comunidade
o dever de preservá-los e defendê-los
A Constituição do Estado indica, nesse capítulo, entre outros aspectos, as formas de o poder público estadual assegurar os direitos ambientais da população; a articulação para o planejamento ambiental; a promoção de educação ambiental; a aprovação de projetos de alto impacto; o zoneamento ecológico-econômico; a política de desenvolvimento urbano; além de temas como irrigação, saneamento e política energética.
O capítulo do meio ambiente guarda ainda artigo que teve importante participação daquele que, em 1989, era o mais novo deputado constituinte do Ceará: Marcos Cals, que exerceria outros cinco mandatos na AL. Ele ressalta o artigo 262, que aponta que “será prioritário o uso de gás natural por parte do sistema de transporte público”, tema que viria a estar presente na vida cotidiana dos cearenses muitos anos depois.
“Eu era muito estimulado a implantar, aqui no Ceará, o gás natural veicular. Era algo moderno, que estava se instalando. E, como a gente não tinha o poder de impor, colocamos como uso prioritário. De uma maneira geral, o meio ambiente teve conquistas enormes”, avalia Cals, hoje secretário executivo de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Secretaria das Cidades do Estado do Ceará.
POLÍTICA AGRÍCOLA E FUNDIÁRIA
O capítulo XI da Constituição Estadual aponta os olhos e ações do poder público para uma área que fala muito do povo, da história e das riquezas do Ceará: o campo e os agricultores.
Com 19 artigos, o capítulo aponta que a política agrícola do Estado deve ouvir diversos participantes, com o objetivo de aumentar a produção, produtividade e ocupação estável do campo, assim como orientar a utilização racional dos recursos naturais de forma sustentável e compatível com a preservação do meio ambiente.
O constituinte Francisco Aguiar lembra que o trabalho em conjunto com os demais deputados era feito com muito “esmero e seriedade” e, por isso, resultou na Constituição que até hoje vigora no Estado. Ele relembra questões como agricultura e pesca como fontes de atenção e preocupação no processo constituinte, uma vez que o Ceará tinha forte relação com essas atividades, na geração de recursos e empregos.
Alexandre Figueiredo, que na época atuava como líder da maioria na Assembleia Constituinte, cita que houve a discussão de vários pontos da Constituição Federal que poderiam avançar no texto da lei máxima do Estado. Entre eles, relembra uma forma de complemento à reforma agrária.
“Um exemplo simbólico do nosso trabalho é que a Constituição Federal prevê a desapropriação de terras improdutivas, mas na Constituição Estadual colocamos um avanço: a reforma agrária solidária, que é negociada com os proprietários de terra. Tínhamos e ainda temos entidades estaduais que fazem isso, assim como há a possibilidade de reaproveitar essas terras, caso não sejam bem utilizadas. Era uma novidade no Brasil, e colocamos na nossa Constituição”, explica Alexandre, que, atualmente, é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
O constituinte Eudoro Santana, atual superintendente do Instituto de Planejamento de Fortaleza (Iplanfor), comenta que sua participação no Parlamento sempre esteve ligada à questão da terra, à reforma agrária, aos recursos hídricos e ao semiárido. Segundo ele, a reforma agrária que o Estado faz tem caráter complementar, uma vez que a área está mais vinculada às ações da esfera federal. “Existem muitos assentamentos estaduais que são resultado dessa época”, comenta, ao abordar a atuação complementar do Estado discutida na Constituinte.
Ao longo dos artigos do capítulo sobre política agrícola e fundiária, a Carta Magna Estadual prevê apoio do Poder Estadual aos assentamentos, como o estímulo ao cooperativismo e associativismo; a garantia do ensino fundamental e o atendimento de saúde; o levantamento geral das terras devolutas para assentamento de trabalhadores rurais sem terra, cujo projeto de assentamento será executado por órgão específico com participação dos trabalhadores, e a destinação de um percentual das verbas dos órgãos estaduais da política agrícola para o desenvolvimento das áreas de assentamento.
Entre as temáticas abordadas no capítulo estão ainda a gestão e política de recursos hídricos; a política de assistência técnica e extensão rural; o acesso à terra; a adoção de programas regionalizados no campo; as formas de efetivar a preservação e restauração ambiental; o fomento à produção agropecuária; o acesso a crédito, entre outras.
SA/LF